Rio de Janeiro e a retomada da paz

Fábio Motta/AE

O mundo inteiro assistiu nesse domingo (28) uma ação sem precedente já feita para combater a criminalidade e o narcotráfico no Rio de Janeiro, mais precisamente no complexo do Alemão, dominado há duas décadas pelos traficantes.
A operação, superrofensiva, deixou todos os brasileiros boquiabertos e, ao mesmo tempo, esperançosos pelo resultado obtido. Isso tudo, graças à união bem-sucedida entre as polícias Militar, Civil, Federal e o Exército.
A estratégia adotada para devolver o morro aos seus moradores foi fantástica. O complexo está mais pacífico e tranquilo. Entretanto, ainda falta muito para limpar toda a nojeira e a degradação deixadas ali pelos traficantes. Mas, pelo que nos foi mostrado, isso é questão de tempo.
As forças militares mostraram que com bom senso e com boa vontade é possível resolver problemas que pareciam não ter mais jeito. E fico pensando: por que somente agora essa operação foi realizada, já que há tempos o Brasil conhece a realidade vivida nos morros e nas favelas da Cidade Maravilhosa?
A luta constate entre o Estado e o tráfico para se estabelecer a ordem, principalmente na cidade do RJ, não é nenhuma novidade, e sempre achei que o Estado fazia corpo mole para resolver esse problema, mas acho que me engano. Penso que Estado Brasileiro deve fazer sua mea culpa com relação ao o descaso ‘do ontem’, e tomar providências imediatas, não só no RJ, mas em todas as grandes e pequenas cidades que vivem hoje sob o domínio da violência e das drogas, já que a história do RJ se assemelha a de muitas outras cidades brasileiras.
O povo clama não só por segurança, mas também por trabalho, renda, qualidade de vida, saúde, ações sociais e, principalmente, por educação. Sem isso, como mudar esse ambiente hostil em que vive hoje nossos irmãos cariocas? É simplesmente impossível.
O Fantástico mostrou em uma reportagem um garoto que circulava no morro do Cruzeiro, um dia antes da ação no Complexo do Alemão, carregando consigo com um pote abarrotado de cartucho de fuzis já usados. Dizia o menino que iria vender - por cerca de nove reais - para o ferro velho. Isso é muito mais do que ganha um explorador de safiras nas minas da África: cerca de dois dólares por dia trabalhado. Ou seja, para a população carente, sofrida, o tráfico acaba se tornando um dos ‘melhores negócios’ para se obter uma renda razoável. É uma realidade dura, mas é essa a realidade.
Se o êxito obtido pelas tropas militares no complexo Alemão dependeu de bom senso e estratégia, que os novos desafios dos governantes sejam então aplicados dentro dessa política de paz; mais humana e não-menos ferrenha para garantir aos brasileiros o seu mais valioso preceito constitucional: o direito de ir e vir. Só assim, podemos consolidar a democracia em nosso país, com justiça, saúde, educação e cidadania.

Tá faltando criatividade? Exercite-se! Já dizia Walt Disney

Deixem-me confessar uma coisa: às vezes, morro de inveja de contistas, cronistas e roteiristas de TV. Juro! Na verdade, inveja mesmo é da criatividade dos caras. Eles realmente me impressionam. Mas, olha, é uma inveja branca, sem maldade. Afinal de contas, não fossem eles, o mundo seria monocromático. Sem graça. E o que seriam de nós leitores desses gêneros e expectadores das comédias televisivas? Tristes? Sorumbáticos? Macambúzios? Sim, seriamos!
Se hoje passo uma ou duas semanas sem atualizar o meu blog, saibam logo que eu estou sem a menor criatividade. E olha que passo muito tempo do meu ocioso tempo pensando no que escrever. É um trabalho bastante cansativo. Os fatos estão rolando aí, diariamente, esperando por alguém para serem comentados. E nada! Experiência de vida eu também tenho para compor uma boa história; e nada ainda! Exemplos a serem tirados da vida real têm de monte, e nada! Narrá-los, dar um outro tom às histórias do cotidiano, sem cair nos clichês ou na pieguice, bem... já são outros 500. Ô dilema!
Aliás, mais incomodada do que eu, só mesmo a minha mãe. É! Todo santo dia ela vem até a mim e repete o mesmo mantra de sempre: “Meu filho, escreva! Olha, jornalista não pode ter preguiça para escrever, viu?”. Não consigo responder a ela de outra forma se não soltando uma boa gargalhada. Dá vontade de me rasgar de tanto rir. Que desatino! Putz...
 O que mais me intriga é saber quem disse a minha mãe que jornalista não pode ter preguiça em escrever. É claro que pode! A preguiça é um direito universal, garantido a todo ser humano, a todos os profissionais; seja lá de que área de atuação ele seja. E mais! A preguiça tá longe de ser o meu problema.
Meu dilema não é preguiça. Quem dera fosse! A questão principal aqui é a tal da falta de criatividade. Não tem nada a ver com preguiça. É triste admitir isso, assim, abertamente no blog, mas, é isso mesmo: Falta de criatividade!
Quando fazia faculdade de Artes Visuais, uma das disciplinas da grade curricular era “Criatividade”. Achei bacana quando soube que estudaríamos isso; não via a hora de começar. Depois de iniciada a turma, não demorou muito, e lá veio frustração, logo no primeiro dia de aula.
“Boa tarde, gente! Vamos começar a nossa disciplina de Criatividade. Eu trouxe nessa primeira aula alguns elementos pra gente trabalhar a nossa ‘criatividade’. Aqui tem cartolina, lápis de cor, de cera, cola, bola de isopor, papel crepom, tampas de refrigerante, copos descartáveis de água e de cafezinho... e quero que vocês utilizem esse material pra montar alguma coisa criativa (!), não importa o quê, gente, apenas criem o que quiser”, orientou, superrempolgada, a professora.
Antes de iniciar a atividade, pensei: Tá! Tudo bem, mas, gente, se a aula é de criatividade, e se me sentia sem nenhuma naquele momento, como a professora queria que eu fosse criativo?! Alôôôô! Gente, eu não sou criativo! E estava ali cursando a disciplina, justamente, para me tornar um (?!). Pronto! frustração total.
Houve gente na sala que montou foguete espacial, carrinhos, bonecos e até uma fazenda criaram durante a aula, tudo feito com aqueles os objetos (resíduos) distribuídos pela professora.
O meu trabalho? Bem... Eu consegui (acreditem) desfiar toda a lateral de um copo plástico em tiras bem fininhas! Mas bem fininhas mesmo! Crente de que eu iria bolar algo que lembrasse aquelas saias das dançarinas de “ula-ula”.  
Tudo bem, o meu trabalho só me deu trabalho. Não tinha funcionalidade nenhuma, nem mesmo senso estético. Design arrojado então... Esquece! Ele sequer tinha algum estilo que fosse possível definir. Mas, eu fiz! Não era pra fazer qualquer coisa? Então! Walt Disney já dizia que “criatividade é como ginástica: quanto mais se exercita mais forte fica”. Então tá, Né?! Enfim... o meu trabalho ficou uma bosta e larguei as artes visuais!
Quanto a esta outra linguagem artística: a literatura, tudo tende a ter o mesmo destino. Ô meu Deus! Será? Mas, desta vez, seguirei com afinco o conselho do Walt Disney. Já que não existe uma varinha de condão que me transforme na pessoa mais criativa do universo, e enquanto o Pulitzer e o Nobel permanecem num sonho muito, muito distante, só me resta então exercitar a criatividade. E então? Quem vem comigo? 1,2,3,4... Vaaaai! Mais forte! Bora! Sem preguiça! Bora exercitar essa mente! Vai... 1,2,3,4... Não para! 1,2,3...
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Aí vão 10 dicas para exercitar a criatividade e manter-se inspirado. Veja se funciona com você, porque comigo, bem... Ainda me exijo cada vez!
1.) Observe
Um dos passos importantes para desenvolver a criatividade é observar. Observar tudo e todos. Observe os detalhes das coisas que te rodeiam, as características das pessoas em sua volta. Quando estiver conversando, preste atenção no que e como a pessoa fala.
2.) Analise
Quando se deparar com uma vitrine, uma embalagem de algum produto ou um comercial de TV, analise as características. Depois pense em o que você faria de diferente para mudar aquilo que analisou, seja para dar um aspecto mais interessante, para “despoluir” o visual, ou mesmo para chamar mais atenção do público-alvo.
3.) Ouça música
Ouvir uma boa música pode ser a chave para se ter uma boa ideia. Preste atenção em cada acorde de violão, em cada batida da bateria.
Analise a letra, as rimas, o sentido de uma determinada frase. Muitas vezes aquela música que você cansou de ouvir assume um outro significado quando analisada mais de perto.
4.) Assista filmes
Não apenas assista, mas perceba os detalhes envolvidos em cada filme.
A iluminação, a fotografia, a trilha sonora, os efeitos especiais.
Há uma infinidade de elementos que estão presentes nos filmes e que muitas vezes passam despercebidos quando só prestamos atenção na história.
5.) Durma bem
Ninguém é de aço. Precisamos descansar para recarregarmos as baterias.
Por isso uma boa noite de sono é de muita importância para quem trabalha com projetos que envolvam a criatividade.
Estar com a cabeça fresca e descansada é crucial no desenvolvimento de uma ideia.
6.) Leia e escreva muito
Seja na internet, livros ou revistas, leia. Mas leia muito.
Tente se manter atualizado com o que acontece no mundo. Evite o “crl+c ctrl+v” quando for mandar um e-mail. Escreva para aquele amigo que não vê a tempos. Escreva para sua namorada, para sua mãe, para seu cachorro.
7.) Use a internet a seu favor
Ao mesmo tempo em que a internet é uma benção, ela pode se tornar uma maldição se a usarmos sem critério. Use com qualidade o tempo em que passa na frente do comuptador. Sites de humor são legais, mas não se permita passar a tarde inteira lendo piadas.
8.) Organize suas coisas
Organize a mesa de trabalho de uma forma em que não perca tempo procurando coisas importantes. Tenha sempre em vista folhas de rascunho e um lápis ou caneta.
Se algo que não usa está ocupando espaço na sua mesa, simplesmente guarde em um outro lugar.
O mesmo vale para as pastas e documentos no computador. Organize os conteúdos por pastas, divida seu HD, limpe arquivos desnecessarios.
9.) Não force a barra
Trabalhar até altas horas da madrugada pode ser às vezes necessário mas com certeza não é a melhor escolha. A não ser que durma à tarde e ache melhor trabalhar à noite.
Caso precise ficar até mais tarde trabalhando em um projeto atrasado, já imagine estratégias para evitar essa situação.
10.) Tenha paixão pelo que faz
Um bom webdesigner/designer gosta daquilo que faz. Muitas vezes trata seus projetos como filhos, mostrando-os para parentes e amigos. Nada mais recompensador do que ver um projeto finalizado depois de um bom tempo de esforço e dedicação.

Um dia daqueles

Depois de mais uma noite mal dormida, por conta do Llizarov* que usa na perna direita há pouco mais de cinco meses, Matheus de Lucca acorda, como toda boa manhã, ao som de Even Flow, vindo do despertador do celular, excepcionalmente, naquela manhã, às 7h50.
Ele levanta o tronco da cama (como quem faz uma única série de abdominal), senta-se, toma suas cápsulas de vitaminas diárias, pega o celular ao lado do travesseiro e o reprograma para um novo despertar, às 8h10, seu horário costumeiro.
O fato de ter adiantado o despertador 20 minutos mais cedo do que de costume, era para que não perdesse uma consulta médica, marcada para às 9h, agendada desde agosto passado.
Ao segundo toque de Even Flow ele enfim desperta; com certo sacrifício, misturado a uma preguiça matinal daquelas, estica-se para alcançar sua bermuda ao lado da cama; a veste e senta em sua cadeira de rodas. Depois de um asseio de gato básico, aguarda pela carona do irmão para deixá-lo no consultório. Opta desta vez em ir de muletas, e deixa a cadeira de rodas na portaria do prédio onde mora.
Ao entrar no edifício onde fica o consultório, percebe que havia faltado energia. Mesmo assim, segue adiante - com andar lânguido e sofrido - ainda por cerca de 40 metros, da portaria até a sala da médica. A espera pelo irmão lhe custou alguns minutos preciosos de seu dia!
Matheus chegou atrasado para a consulta cerca de 20 minutos. 20 minutos! Debruçou-se sobre a bancada da recepcionista, apresentou o cartão do plano de saúde, e mal havia finalizado o movimento para apresentar seu documento de identidade, a moça da recepção entoou: “Olha, eu vou ver se é possível lhe atender, porque estamos sem energia e tem muita gente pra hoje”. Simpático, Matheus respondeu que tudo bem.
O consultório estava mesmo lotado e, nele, não havia uma alma bondosa para lhe oferecer um assento, mesmo estando evidente o parelho de ferro encravado, de uma ponta a outra, na perna direita. Nenhum cristão sequer ofereceu lugar! E Matheus ficou ali mesmo, em pé, encostado na parede aguardando a hora em que a recepcionista - tão inútil quanto a um cotonete usado – tomasse a iniciativa de falar com a médica para saber se ele ia ou não ser atendido.
Na cabeça do pobre Matheus, havia uma mistura doida de pensamentos (bons e ruins). Ao mesmo tempo em que ele treinava a calma para entender a situação, caso perdesse a consulta; noutro instante, queria esmagar a cabeça da pobre moça da recepção com as suas muletas...
Sem muito que fazer, esperou por mais uns minutos, e logo veio a sentença: “Seu Matheus, olha, não vai dar pra lhe atender hoje”. Ele fitou a moça, como quem já esperava por aquela frase, e retrucou: “Ora, moça, tenha dó! Não é a senhora que está com 24 pinos encravados no osso da sua perna! Assim é fácil dispensar um paciente. Quer dizer que eu andei um quarteirão inteiro por nada?! Quero falar com a médica”, exigiu.
Matheus voltou à parede em que estava, em frente a sala da médica, aguardou o paciente da vez deixar o consultório e, num ímpeto desesperado, implorou da porta do consultório pelo atendimento naquela mesma manhã... Em vão!
Triste e desanimado, voltou para casa. Chegando lá, o porteiro logo anunciou a ele outra notícia nada agradável: “O elevador não tá funcionando, seu Matheus. Faltou luz”. Estafado, Matheus assentiu com a cabeça e se sentou na cadeira de rodas que, por sorte, já estava na portaria a sua espera. E ali ficou sentado até quase meio-dia quando, enfim, a luz voltou. Subiu, tomou um banho, sentou-se à mesa para almoçar e tirou uma sesta.
Minutos depois, Matheus estava em um shopping novo de sua cidade que ainda não conhecia. O ambiente era repleto de escadas, tanto de concreto quanto rolantes; depois de observar esse detalhe, sentiu-se afugentado em ter de subir e descer as escadas se quisesse ir aos andares superiores. Ainda no térreo, entrou em uma loja; mal sabia ele ao certo pelo o quê procurava. Ao sair, esqueceu as muletas na loja. Mesmo assim, partiu e enfrentou aquela profusão de escadas. Preferiu a de concreto.
Sentiu-se meio estranho ao caminhar. Mas, só percebeu que esquecera as muletas na loja quando alcançou - com uma glória abissal - o primeiro andar. Quis voltar. Olhou para baixo e por toda a imensidão do shopping ao seu redor, mas a vista, a partir daquele piso, parecia-lhe mais um labirinto que um shopping center. Eram muitas as escadas e muitas entrâncias estranhas, que não compreendia ao certo aonde aqueles corredores poderiam findar.
De repente, ouve uma voz feminina anunciar que o estabelecimento fecharia em cinco minutos. Desesperado para recuperar as muletas a tempo, Matheus desceu as escadas com uma velocidade espantosa. Ele mesmo considerou aquilo um assombro.
Enquanto descia o primeiro vão da escada, viu o seu ortopedista, mais sobressaltado ainda, e ele incentivava Matheus, impressionado com aquela habilidade sem igual para quem usa um Llizarov na perna inteira.
Ao chegar ao térreo, Matheus encontrou a loja fechada. Sem hesitar, quebrou a porta de vidro com um leve chute com a sua perna de aço, e conseguiu entrar. E claro, a segurança do shopping saiu em busca do arrombador. Desafiando o improvável, Matheus correu para tentar se esconder, e começou a explorar aqueles corredores singulares do estabelecimento.
De repente, Matheus se deu conta, abismado, que tinha recuperado a flexão de seu joelho direito; coisa estranha, já que antes aquilo era impossível de acontecer porque o Llizarov lhe tolhia esse movimento desde que o colocara, há quase seis meses.
Corria, corria e, vez ou outra, olhava impressionado para o seu joelho que voltava se movimentar novamente. Ficou tão maravilhado quanto que assustado com aquela situação surreal. Matheus conseguiu então se esconder em um espaço vazio que encontrou ao entrar em uma daquelas entrâncias do shopping.
O local parecia uma loja em construção. Matheus deixou as muletas encostadas em uma mesa. Nela havia baldes de tinta e as estopas sujas. Sem entender ao certo o que estava acontecendo de fato, saiu para explorar aquele lugar. Enquanto lavava o rosto na pia, notou que alguém se aproximava. De repente, surge em sua frente uma jovem, linda, de cara lívida igual a uma vela. Ele olhou assustado para ela e tentou explicar o porquê de estar ali.
A jovem pareceu não se importar com as explicações e seguiu seu rumo, desaparecendo em seguida, subitamente. Aquilo parecia um sonho, pensou Matheus. Ele retornou ao encontro com as muletas, apoiou-se nelas sob os braços e desceu uma escada de madeira artesanal, aquelas próprias de construção, e logo chegou à rua ao lodo do shopping - bastante movimentada por sinal - onde estava estacionado o seu carro, um Renault Clio, ano 92, de cor prata.
Meio desorientado, seguiu em direção ao veículo. Sem querer, enfiou a muleta esquerda em um cilindro cheio de cimento mole, que ali estava para tapar um pequeno buraco no asfalto. Ao tentar retirar a muleta do cimento, o cilindro veio junto. Tentou novamente se livrar daquele absurdo mas, dessa vez, a ponta de borracha da bengala se soltou e ficou encravada no cilindro. Sentiu-se constrangido com aquela situação, e ainda com os olhares e os risos do povo que passava pela rua.
Chegou enfim ao carro. Matheus se abaixou para retirar a borracha da ponta da muleta presa ao cimento mole, e notou novamente risos, vindos desta vez de duas crianças paradas bem ao lado da porta do motorista. Para ele, parecia que estava em um filme de David Lynch. Não entendia a situação. Curiosas, uma das crianças, a mais velha, aguardou Matheus a se livrar do cimento para fazer uma pergunta desconcertante a ele: “Ela quer saber (a menor) como o senhor consegue dirigir com esse ferro todo na sua perna”.
A pergunta ficou sem resposta. Matheus apenas esboçou um singelo ricto nos lábios, pediu licença a elas, abriu o carro, ligou a ignição e partiu daquele lugar sinistro.
Já era noite. Minutos depois de começar a dirigir, e ao chegar próximo ao final da rua, viu que havia um desnivelamento muito grande entre o asfalto em que ele estava com o carro, em relação ao do cruzamento a sua frente. Parecia impossível ultrapassar aquilo.
Como mágica, Matheus se põe em cima de uma bike, conseguida não se sabe de onde, e começou a pedalar, ainda que com dificuldade extrema por conta do Llizarov.
Não demorou muito, percebeu que os seguranças do shopping ainda estavam em seu encalço, há poucos metros atrás dele, e logo acelerou a pedalada. A rua era muito íngreme, mas, Matheus, incansável, ultrapassou aquele novo obstáculo.
Ao final dessa rua, o asfalto também acabava. Dali por diante teria de continuar a sua fuga sobre uma ponte de madeira. As frestas do piso eram largas. Apesar da estranheza daquilo tudo, ele continuou a pedalar, desta vez com mais cuidado para não cair no rio que passava embaixo da ponte.
Na metade do caminho, havia uma pequena cerca; coisa de meio metro de altura. Matheus parou, desceu da bicicleta, olhou para trás e viu que os seguranças do shopping estavam bem mais próximos do que ele imaginava. Rapidamente, passou a bicicleta por cima da cerca e seguiu seu caminho novamente. Não demorou muito, deparou-se com uma nova rua, desta vez asfaltada...
Continuou pedalando. Olhou novamente para trás e viu que um dos seguranças estava prestes a alcançá-lo quando, de repente, Matheus ouve, distante, uma música bastante conhecida sua: Even Flow... Ele abre os olhos, olha para o relógio TagHeuer, que marcava 15H35 e diz para si mesmo: Deixa eu levantar para comer alguma coisa.
Senta em sua cadeira de rodas, vai até a sua cozinha, prepara um café, lancha, liga o computador e resolve contar em seu blog como foi aquele seu dia.

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(*) O fixador externo de Llizarov foi desenvolvido, em 1951, pelo professor russo Gavrill Ilizarov, apresenta melhores condições de atuação nas patologias traumato-ortopédicas,  permitindo remodelamento, alongamento, correção de fraturas e deformidades ósseas.   

A agenda


Texto de Luiz Fernando Veríssimo - Crônias Selecionadas da Coluna do Estadão

Um homem chamado Cordeiro abre a agenda em cima da sua mesa de trabalho e vê escrito: "Comprar arma”.

Ele não se lembra de ter escrito aquilo. Como tem agenda justamente para ajudá-lo a se lembrar das coisas, compra uma arma, mesmo não sabendo para quê.

No dia seguinte, vê na agenda: "Marcar almoço com Rodrigues."

Mais uma vez, não se lembra de ter escrito aquilo, nem tem qualquer razão para almoçar com o canalha do Rodrigues. Mas marca o almoço. Durante o qual ouve do canalha do Rodrigues a notícia de que pretende se afastar da companhia e vender sua parte ao canalha do Pires, que assim terá a maioria e mandará na companhia, inclusive no Cordeiro.

Cordeiro insiste para que Rodrigues venda sua parte a ele e não ao Pires, mas Rodrigues ri na sua cara e ainda por cima não paga a sua parte no almoço.

Naquela tarde, Cordeiro vê na sua agenda: "Matar Rodrigues. Simular assalto." E o dia e a hora em que deve acontecer o assassinato, sublinhados com força. E na mesma folha: "Providenciar álibi: lancha."

Lancha? Cordeiro vira a página. Lá está o plano, meticulosamente detalhado. Sair com a lancha no domingo, assegurando-se de que todos no clube o vejam sair com a lancha, encostá-la em algum lugar ermo onde deixou seu carro no dia anterior, ir de carro até a casa de Rodrigues, matá-lo, jogar a arma fora, voltar de carro para a lancha e voltar de lancha para o clube, onde todos o veriam chegar como se nada tivesse acontecido. É o que faz.

Na segunda-feira, Cordeiro arregala os olhos e finge estar chocado quando chega à firma e ouve do Pires a notícia de que houve um assalto no fim de semana e o Rodrigues foi baleado, e está morto.

Pires revela que estava desconfiado de que Rodrigues iria vender sua parte na companhia a Cordeiro. Pretendia marcar um almoço para discutir o assunto com o canalha do Rodrigues, mas no dia Rodrigues dissera que tinha outro compromisso para o almoço.

Na saída do escritório, Pires diz que na última reunião dos três sócios tinha saído por engano com a agenda do Cordeiro e pergunta se por acaso o Cordeiro não ficou com a sua agenda.

Ou então:

Na segunda-feira, Cordeiro arregala os olhos e finge estar chocado quando chega à firma e ouve do Pires a notícia de que houve um assalto no fim de semana e o Rodrigues foi baleado, e está morto.

Os dois marcam uma reunião para tratar do que fazer com a parte do Rodrigues, mas não chegam a um acordo e brigam. Naquele mesmo dia, Cordeiro vê escrito na sua agenda: "Incriminar Pires."

É o que faz. Orientado pela agenda, consegue plantar pistas falsas e convencer a polícia de que Pires matou Rodrigues porque este pretendia vender sua parte na firma a Cordeiro. Com Pires afastado, Cordeiro assume o comando da firma e a faz crescer como nunca - sempre seguindo as ordens da agenda, que não erra uma.

Até que um dia a agenda lhe manda juntar todo o dinheiro em caixa na firma, vender o que for possível para levantar mais dinheiro e jogar tudo na bolsa. "Agora!", ordena a agenda.

Cordeiro jogou na bolsa todo o dinheiro que tinha, o seu e o da firma. Foi na véspera da grande queda. Perdeu tudo. Quando consultou a agenda de novo, desesperado, sem saber o que fazer encontrou apenas a frase: "Quem entende a bolsa?”.

E no dia seguinte: "Comprar arma”.

Salve Nossa Senhora de Nazaré!

O Círio, para quem não conhece ou nunca viu de perto é assim...
Gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gentE, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, Gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente,  gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente... 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Pato no tucupi, maniçoba...  Arraial.

“Mentiras sinceras me interessam”

Parafraseando Cazuza: Mentiras sinceras me interessam e muito! Quem nunca contou uma mentira que atire o micro na parede.  A mentira, apesar de feia – como sempre pregaram nossos pais e professores – é tão essencial quanto à verdade, acredite! Sendo ela então contada da forma mais sincera, aí que a gente percebe que ela acaba se tornando tão verdade quanto à própria verdade, bem, pelo menos para os que ouvem.
Quem nunca disse “eu te amo” da boa pra fora só para ver brilhar os olhos do namorado (a), apesar de nem gostar tanto assim do outro (a)? Eu adoro ouvir e falar “mentiras sinceras”. Mas, para a sociedade, nada é tão bom e justo quando ouvir a verdade, sempre. Entretanto, às vezes, a verdade se torna tão prejudicial quando a mentira, ainda mais se for mal contada; esta sim tem pernas curtas. Na hora de uma entrevista de emprego, então, é bom saber o que realmente devemos contar, a verdade, ou uma mentira sincera.
Matheus de Lucca é um jornalista de mão cheia, mas, como se sabe, para um profissional dessa área ganhar o salário dos sonhos, é preciso se desdobrar em muitos, fazendo bicos aqui e ali... Oh, perdão, fazendo “freelas”, de acordo com o jargão jornalístico. Certa vez, surgiu uma oportunidade a ele de ser editor de um jornal de grande circulação. E, claro, encarou a ‘parada’. Foi para a entrevista, nervoso, como a maioria, mas foi.
Tudo ia bem na entrevista com os dois editores do veículo, até que lhe perguntaram algo crucial: o que ele achava dos cadernos de Polícia e de Esporte. Sem titubear, ele respondeu com toda honestidade que, particularmente, não “era fã” dessas editorias, mas as lia, por obrigação profissional. Dias depois, ficou sabendo que perdeu a vaga, justamente, por ter contado a verdade. Ué, quer dizer então que se ele tivesse mentido ganharia o cargo?! Com certeza! O problema é que Matheus não usou da mentira sincera para lhe beneficiar. Salve, salve a ética! Se assim o fizesse, estaria no cargo de editor até hoje. Então, é bom que saibam logo: Mais do que ninguém, os RH das empresas adoram uma mentira sincera. Mentiu? Foi sincero? A vaga é sua! Taí, um sofisma que pode ser eficaz na hora de conquistar o emprego.
Não vamos confundir mentira sincera com mentira deslavada. Para esta, deveria haver pena de morte para quem a conta, e àquele que acredita deveria ser internado em um hospício. A mentira sincera tem o poder de amenizar, ou encobrir, a dureza da verdade. Mas, a habilidade para sacar se a mentira é mesmo sincera ou não, é aptidão de poucos. E para quem reconhece que a potoca é sincera, acaba acreditando nela como se fosse a verdade absoluta. Isso faz me lembrar de um conto de Veríssimo, que fala a história de um homem casado, fiel e apaixonado por sua esposa, e usa da mentira sincera para salvar o casamento.
Certa noite, como e praxe, indo para a casa depois do trabalho, o personagem teve o pneu do carro furado. Desceu para trocá-lo, mas, com a mão suja de graxa, sua aliança saiu do dedo rumo a um bueiro, e lá se foi o anel. Desesperado, só pensava no que ia dizer à mulher sobre a perda, crente de que ela não acreditaria na verdade, pois, nesse caso, a verdade lhe parecia descabida. E resolveu mentir.
Ao chegar em casa, contou à mulher que ele havia esquecido a aliança em um motel, onde fora com sua amante. A esposa ficou arrasada no primeiro instante, mas, lhe foi complacente depois. Levou em conta a honestidade do marido por ter contado a ela a “verdade” sobre o caso extraconjugal que vinha levando. E tudo ficou bem na história. Depois dessa, alguém ainda duvida que uma mentira sincera vale mais do que mil verdades contadas?

O fim do voto consciente está próximo

Está cada vez mais difícil encontrar cidadãos que escolhem conscientemente os seus representantes políticos; que conseguem separar o joio do trigo na hora de votar, que pesquisam a vida dos candidatos antes do pleito; que reconhecem a real importância do voto. Recentemente, a imprensa nacional divulgou uma pesquisa que aponta que 1/5 dos eleitores já venderam ou venderiam seus votos em troca de benefícios. Engraçado foi ver a cara de espanto dos apresentadores dos telejornais lendo a chamada da matéria sobre essa pesquisa. Para mim, o maior espanto e o mais engraçado de tudo, foi saber que “só 1/5” praticaria esse desagravo democrático. É difícil para o eleitor entender que o voto consciente é o maior dos benefícios que ele pode ter? É, acho que sim.
Para embasar esse meu espanto quanto ao resultado da pesquisa divulgada, fui tirar a prova dos nove nas ruas. Depois de exercer o meu direito de votar, perguntei a algumas pessoas, gente de casa mesmo, em quem elas votaram, e maioria das respostas sempre vinha logo seguida de alguma justificativa tosca: “Não, porque se fulano entrar, o meu marido deve trabalhar com ele...; se o beltrano for eleito, vai ‘puxar não sei quem’ para assessorá-lo e depois fica mais fácil eu ser chamada para aquele o órgão e tal!!!”. P.Q.P., pensei, o fim do voto consciente está próximo! Quando isso vai mudar?
Com o resultado de minha pesquisa pessoal, hoje, acredito que o voto consciente (refiro-me à maioria dos votos válidos – o que elege) vem crescentemente tomando ar romântico; preso à uma utopia absurda, formada por cidadãos de mente tacanha, que acreditam que nada mais pode ser feito neste Brasil de meu Deus. Mas, oremos. Ainda há salvação.
O Tribunal Superior Eleitoral pegou pesado nestas eleições promovendo campanha publicitária contra a venda de votos, mas o povo insiste em querer benefícios só para si, e esquecem que há todo um país à espera de mudanças políticas radicais. Talvez, fosse mais eficaz promover no próximo pleito uma campanha para conscientizar o eleitor que ele pode receber sim os benefícios oferecidos por alguns candidatos, mas, ensiná-los também a entrar no jogo sujo, e trapacear na hora do vamos ver (nas urnas). Votando no candidato de sua preferência.
Seria assim: Pôr na cabeça do povo que o voto é secreto. E isso é fato! convencer o seu Antônio ou a dona Bené a entenderem que ninguém saberá em quem eles votaram. Incentivar o eleitor a ir às urnas com camiseta, fita na cabeça, bandeira no ombro...  tudo o que tiver estampado com o número do candidato que lhe “ofereceu” o benefício em troca do voto, mas, na hora decisiva, ali, frente à frente com a urna, votar noutro candidato. É! Façamos isso em prol de nós mesmos. Fazer o feitiço virar contra o feiticeiro; e acabar ferrando o corrupto que compra voto. Vamos deixar de lado esse egoísmo besta de querer tudo pra si, e começar a pensar em nossa comunidade, no nosso estado e, claro, no país.
Quem avisa amigo é! Portanto, está dado o recado. Porque, depois de decida a eleição, não dá para chorar pelo leite derramado, nem pela falta de medicamento na farmácia da Unidade de Saúde da comunidade; por andar em ruas esburacadas e cheias de lama; de viver em um estado sem trabalho, em uma cidade mal cuidada etc. Ou voto consciente retoma com força total, ou então nos lamentaremos  sempre por não viver no Brasil dos nossos sonhos. E aceitar esse fato, para mim, é inconcebível!    

Uma terra para um rato governar

É absurdamente incrível a nossa capacidade de imaginar coisas muito além dos fatos. Eu, por exemplo, fico aqui pensado como o governador Pedro Paulo agiria numa situação contrária à sua prisão, na operação Mãos Limpas. A ação foi um bafafá daqueles, e ganhou destaque na mídia nacional. Tudo isso, faltando pouco mais de 20 dias para as eleições. Um escândalo político raro de se ver por aqui pelo ‘meio-fim’ do mundo; prato cheio para a imprensa local. Porém, mais espantoso que a operação em si, só mesmo em saber que há jornalistas com o rabo tão preso, que chegaram a tentar encobrir o fato com panos quentes! Aff...
Depois de montado o circo, ponho-me a pensar então, como ele (Pedro Paulo) poderia ter escapado dessa. Pois é. Porque, para quem negocia terras públicas em troca de 30 milhões de DÓÓÓÓLARES, para serem utilizados em sua campanha de reeleição – como informaram os grandes jornais do País -, só mesmo sendo muito influente ou, no mínimo, cara de pau. Bem, suponhamos que houvesse nesse imbróglio a participação de um policial corrupto da PF, e desse aquela “ligadinha” do seu celular para o governador, pedindo a ale que acordasse logo, pegasse uma trouxa roupa e se mandasse de casa, antes da chegada da Polícia Federal em sua casa. Talvez assim, Pedro Paulo teria protelada a sua prisão. Mas, seria tido como foragido; e aí, acredito que ele ficaria mais enrolado do que uma bobina de máquina de costura “Singer”. Não, não... Seria estupidez demais!
Como fã que sou de livros de ficção científica, de repente, ele poderia até acatar a sugestão do colega da PF, e aí, esperaria a poeira baixar para dar início a um plano genial: Com 30 milhões de DÓÓÓÓLARES em mãos, negociados com uma empresa da Indonésia em troca de terras no Amapá, Pedro Paulo poderia comprar uma passagem para curtir, quem sabe, um turismo espacial, já que só milionários podem usufruir desse deleite. E lá iria Pedro Paulo rumo aos céus, sem asas; ainda que vivo. E muito vivo, aliás!
Não, não... Acho que faria melhor: De posse toda essa dinheirama, entraria para o mundo da ficção científica. Isso! Quem sabe, não seria uma das personagens do livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, do escritor inglês Douglas Adams. Isso mesmo! Já que a obra narra uma história fantástica – beirando o absurdo, tal qual a reação do governador na manhã daquele fatídico e surpreendente dia de sua prisão -, acho que posso imaginá-lo nessa trama.
O livro leva o leitor a refletir sobre a vida e o universo, através de uma narrativa satírica. Curiosamente, na vida real, a operação “Mãos Limpas” fez praticamente o mesmo, só que com os eleitores. Obrigou muita gente a refletir, para evitar que façam da urna eletrônica um penico. Será que neste caso poderíamos dizer que “a vida imita a arte?”. Mas, com certeza, acredito que Pedro Paulo não seria a personagem principal, neste caso, Arthur Dent, um terráqueo comum como nós; um cidadão acima de qualquer suspeita, tal qual se diz o nosso governador.
Dent leva a vida dele normalmente, se é que podemos chamar de normal uma vida na qual você tem que impedir a demolição da sua casa todos os dias! Outra semelhança entre a ficção e o mundo real, já que o que Pedro Paulo mais queria na vida é que a sua casa não caísse, mas, o destino não lhe foi amigo, e a casa desmoronou. Pois bem... Numa certa manhã, Dent encontra um extraterrestre (Ford Prefect), que o implora para abandonar a Terra, já que o planeta seria destruído para dar espaço à construção de uma via expressa espacial.
Dent, o único sobrevivente depois da destruição da Terra, demora para acreditar em Ford Perfect – este papel caberia ao suposto policial corrupto - e, assim como Pedro Paulo, na vida “factória” do nosso governador nesta crônica, a personagem acata a sugestão do ‘amigo’ e, juntos, começam uma jornada fantástica em busca do porquê da decisão absurda. Para fugir do planeta, eles pegam uma carona clandestinamente em uma das naves Vogons (criaturas horrivelmente brutas e insuportáveis), mas logo são descobertos e jogados ao espaço. Porém, não demora muito para serem resgatados pela nave Coração de Ouro, comandada pelo presidente da galáxia, Zaphord Beeblebrox.
Com muitos seres estranhos e engraçados que aparecem ao longo da obra, fica difícil encontrar um papel que caiba certinho com o perfil do governador Pedro Paulo. Para muitos, ele poderia ser, talvez, aquele robô maníaco-depressivo, Marvin, “o andróide paranóide”, mas este se suicida no final da narrativa, e Pedro Paulo já provou que não é capaz de cometer ato tão nefasto; não o de tirar a própria vida!
Como assim? Compará-lo ao Marvin só porque o chefe do executivo derramou algumas lágrimas e parecia abatido durante o seu discurso aos secretários e à imprensa após voltar de Brasília, onde ficara preso por nove dias? Não! Deixemos a leniência de lado e sejamos mais criativos. Ao chefe do executivo cabe-lhe algo mais grandioso. Claro! E por que não?
Acho que compete então ao nosso aventureiro governador o papel de um dos ratos da narrativa. Isso mesmo! Um rato. Afinal de contas, de acordo com a imaginação criativa de Douglas Adams, os ratos são os serem mais inteligentes da terra, deixando para trás os golfinhos e os humanos (o terceiro na lista das espécies mais inteligentes). Pois só sendo mesmo muito esperto para conseguir a façanha de querer subestimar a parca inteligência da gente, pobres humanos eleitores amapaenses.

Liberdade de expressão!

A liberdade de expressão é um direito garantido pela Constituição Federal, e expressar-se, além de um dever e obrigação, é fundamental para tentar melhor aquilo que consideramos estar errado em nossa sociedade, em nosso cotidiano. Portanto, façamos valer esse direito.

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