Um dia daqueles

Depois de mais uma noite mal dormida, por conta do Llizarov* que usa na perna direita há pouco mais de cinco meses, Matheus de Lucca acorda, como toda boa manhã, ao som de Even Flow, vindo do despertador do celular, excepcionalmente, naquela manhã, às 7h50.
Ele levanta o tronco da cama (como quem faz uma única série de abdominal), senta-se, toma suas cápsulas de vitaminas diárias, pega o celular ao lado do travesseiro e o reprograma para um novo despertar, às 8h10, seu horário costumeiro.
O fato de ter adiantado o despertador 20 minutos mais cedo do que de costume, era para que não perdesse uma consulta médica, marcada para às 9h, agendada desde agosto passado.
Ao segundo toque de Even Flow ele enfim desperta; com certo sacrifício, misturado a uma preguiça matinal daquelas, estica-se para alcançar sua bermuda ao lado da cama; a veste e senta em sua cadeira de rodas. Depois de um asseio de gato básico, aguarda pela carona do irmão para deixá-lo no consultório. Opta desta vez em ir de muletas, e deixa a cadeira de rodas na portaria do prédio onde mora.
Ao entrar no edifício onde fica o consultório, percebe que havia faltado energia. Mesmo assim, segue adiante - com andar lânguido e sofrido - ainda por cerca de 40 metros, da portaria até a sala da médica. A espera pelo irmão lhe custou alguns minutos preciosos de seu dia!
Matheus chegou atrasado para a consulta cerca de 20 minutos. 20 minutos! Debruçou-se sobre a bancada da recepcionista, apresentou o cartão do plano de saúde, e mal havia finalizado o movimento para apresentar seu documento de identidade, a moça da recepção entoou: “Olha, eu vou ver se é possível lhe atender, porque estamos sem energia e tem muita gente pra hoje”. Simpático, Matheus respondeu que tudo bem.
O consultório estava mesmo lotado e, nele, não havia uma alma bondosa para lhe oferecer um assento, mesmo estando evidente o parelho de ferro encravado, de uma ponta a outra, na perna direita. Nenhum cristão sequer ofereceu lugar! E Matheus ficou ali mesmo, em pé, encostado na parede aguardando a hora em que a recepcionista - tão inútil quanto a um cotonete usado – tomasse a iniciativa de falar com a médica para saber se ele ia ou não ser atendido.
Na cabeça do pobre Matheus, havia uma mistura doida de pensamentos (bons e ruins). Ao mesmo tempo em que ele treinava a calma para entender a situação, caso perdesse a consulta; noutro instante, queria esmagar a cabeça da pobre moça da recepção com as suas muletas...
Sem muito que fazer, esperou por mais uns minutos, e logo veio a sentença: “Seu Matheus, olha, não vai dar pra lhe atender hoje”. Ele fitou a moça, como quem já esperava por aquela frase, e retrucou: “Ora, moça, tenha dó! Não é a senhora que está com 24 pinos encravados no osso da sua perna! Assim é fácil dispensar um paciente. Quer dizer que eu andei um quarteirão inteiro por nada?! Quero falar com a médica”, exigiu.
Matheus voltou à parede em que estava, em frente a sala da médica, aguardou o paciente da vez deixar o consultório e, num ímpeto desesperado, implorou da porta do consultório pelo atendimento naquela mesma manhã... Em vão!
Triste e desanimado, voltou para casa. Chegando lá, o porteiro logo anunciou a ele outra notícia nada agradável: “O elevador não tá funcionando, seu Matheus. Faltou luz”. Estafado, Matheus assentiu com a cabeça e se sentou na cadeira de rodas que, por sorte, já estava na portaria a sua espera. E ali ficou sentado até quase meio-dia quando, enfim, a luz voltou. Subiu, tomou um banho, sentou-se à mesa para almoçar e tirou uma sesta.
Minutos depois, Matheus estava em um shopping novo de sua cidade que ainda não conhecia. O ambiente era repleto de escadas, tanto de concreto quanto rolantes; depois de observar esse detalhe, sentiu-se afugentado em ter de subir e descer as escadas se quisesse ir aos andares superiores. Ainda no térreo, entrou em uma loja; mal sabia ele ao certo pelo o quê procurava. Ao sair, esqueceu as muletas na loja. Mesmo assim, partiu e enfrentou aquela profusão de escadas. Preferiu a de concreto.
Sentiu-se meio estranho ao caminhar. Mas, só percebeu que esquecera as muletas na loja quando alcançou - com uma glória abissal - o primeiro andar. Quis voltar. Olhou para baixo e por toda a imensidão do shopping ao seu redor, mas a vista, a partir daquele piso, parecia-lhe mais um labirinto que um shopping center. Eram muitas as escadas e muitas entrâncias estranhas, que não compreendia ao certo aonde aqueles corredores poderiam findar.
De repente, ouve uma voz feminina anunciar que o estabelecimento fecharia em cinco minutos. Desesperado para recuperar as muletas a tempo, Matheus desceu as escadas com uma velocidade espantosa. Ele mesmo considerou aquilo um assombro.
Enquanto descia o primeiro vão da escada, viu o seu ortopedista, mais sobressaltado ainda, e ele incentivava Matheus, impressionado com aquela habilidade sem igual para quem usa um Llizarov na perna inteira.
Ao chegar ao térreo, Matheus encontrou a loja fechada. Sem hesitar, quebrou a porta de vidro com um leve chute com a sua perna de aço, e conseguiu entrar. E claro, a segurança do shopping saiu em busca do arrombador. Desafiando o improvável, Matheus correu para tentar se esconder, e começou a explorar aqueles corredores singulares do estabelecimento.
De repente, Matheus se deu conta, abismado, que tinha recuperado a flexão de seu joelho direito; coisa estranha, já que antes aquilo era impossível de acontecer porque o Llizarov lhe tolhia esse movimento desde que o colocara, há quase seis meses.
Corria, corria e, vez ou outra, olhava impressionado para o seu joelho que voltava se movimentar novamente. Ficou tão maravilhado quanto que assustado com aquela situação surreal. Matheus conseguiu então se esconder em um espaço vazio que encontrou ao entrar em uma daquelas entrâncias do shopping.
O local parecia uma loja em construção. Matheus deixou as muletas encostadas em uma mesa. Nela havia baldes de tinta e as estopas sujas. Sem entender ao certo o que estava acontecendo de fato, saiu para explorar aquele lugar. Enquanto lavava o rosto na pia, notou que alguém se aproximava. De repente, surge em sua frente uma jovem, linda, de cara lívida igual a uma vela. Ele olhou assustado para ela e tentou explicar o porquê de estar ali.
A jovem pareceu não se importar com as explicações e seguiu seu rumo, desaparecendo em seguida, subitamente. Aquilo parecia um sonho, pensou Matheus. Ele retornou ao encontro com as muletas, apoiou-se nelas sob os braços e desceu uma escada de madeira artesanal, aquelas próprias de construção, e logo chegou à rua ao lodo do shopping - bastante movimentada por sinal - onde estava estacionado o seu carro, um Renault Clio, ano 92, de cor prata.
Meio desorientado, seguiu em direção ao veículo. Sem querer, enfiou a muleta esquerda em um cilindro cheio de cimento mole, que ali estava para tapar um pequeno buraco no asfalto. Ao tentar retirar a muleta do cimento, o cilindro veio junto. Tentou novamente se livrar daquele absurdo mas, dessa vez, a ponta de borracha da bengala se soltou e ficou encravada no cilindro. Sentiu-se constrangido com aquela situação, e ainda com os olhares e os risos do povo que passava pela rua.
Chegou enfim ao carro. Matheus se abaixou para retirar a borracha da ponta da muleta presa ao cimento mole, e notou novamente risos, vindos desta vez de duas crianças paradas bem ao lado da porta do motorista. Para ele, parecia que estava em um filme de David Lynch. Não entendia a situação. Curiosas, uma das crianças, a mais velha, aguardou Matheus a se livrar do cimento para fazer uma pergunta desconcertante a ele: “Ela quer saber (a menor) como o senhor consegue dirigir com esse ferro todo na sua perna”.
A pergunta ficou sem resposta. Matheus apenas esboçou um singelo ricto nos lábios, pediu licença a elas, abriu o carro, ligou a ignição e partiu daquele lugar sinistro.
Já era noite. Minutos depois de começar a dirigir, e ao chegar próximo ao final da rua, viu que havia um desnivelamento muito grande entre o asfalto em que ele estava com o carro, em relação ao do cruzamento a sua frente. Parecia impossível ultrapassar aquilo.
Como mágica, Matheus se põe em cima de uma bike, conseguida não se sabe de onde, e começou a pedalar, ainda que com dificuldade extrema por conta do Llizarov.
Não demorou muito, percebeu que os seguranças do shopping ainda estavam em seu encalço, há poucos metros atrás dele, e logo acelerou a pedalada. A rua era muito íngreme, mas, Matheus, incansável, ultrapassou aquele novo obstáculo.
Ao final dessa rua, o asfalto também acabava. Dali por diante teria de continuar a sua fuga sobre uma ponte de madeira. As frestas do piso eram largas. Apesar da estranheza daquilo tudo, ele continuou a pedalar, desta vez com mais cuidado para não cair no rio que passava embaixo da ponte.
Na metade do caminho, havia uma pequena cerca; coisa de meio metro de altura. Matheus parou, desceu da bicicleta, olhou para trás e viu que os seguranças do shopping estavam bem mais próximos do que ele imaginava. Rapidamente, passou a bicicleta por cima da cerca e seguiu seu caminho novamente. Não demorou muito, deparou-se com uma nova rua, desta vez asfaltada...
Continuou pedalando. Olhou novamente para trás e viu que um dos seguranças estava prestes a alcançá-lo quando, de repente, Matheus ouve, distante, uma música bastante conhecida sua: Even Flow... Ele abre os olhos, olha para o relógio TagHeuer, que marcava 15H35 e diz para si mesmo: Deixa eu levantar para comer alguma coisa.
Senta em sua cadeira de rodas, vai até a sua cozinha, prepara um café, lancha, liga o computador e resolve contar em seu blog como foi aquele seu dia.

___________________________________________________
(*) O fixador externo de Llizarov foi desenvolvido, em 1951, pelo professor russo Gavrill Ilizarov, apresenta melhores condições de atuação nas patologias traumato-ortopédicas,  permitindo remodelamento, alongamento, correção de fraturas e deformidades ósseas.   

A agenda


Texto de Luiz Fernando Veríssimo - Crônias Selecionadas da Coluna do Estadão

Um homem chamado Cordeiro abre a agenda em cima da sua mesa de trabalho e vê escrito: "Comprar arma”.

Ele não se lembra de ter escrito aquilo. Como tem agenda justamente para ajudá-lo a se lembrar das coisas, compra uma arma, mesmo não sabendo para quê.

No dia seguinte, vê na agenda: "Marcar almoço com Rodrigues."

Mais uma vez, não se lembra de ter escrito aquilo, nem tem qualquer razão para almoçar com o canalha do Rodrigues. Mas marca o almoço. Durante o qual ouve do canalha do Rodrigues a notícia de que pretende se afastar da companhia e vender sua parte ao canalha do Pires, que assim terá a maioria e mandará na companhia, inclusive no Cordeiro.

Cordeiro insiste para que Rodrigues venda sua parte a ele e não ao Pires, mas Rodrigues ri na sua cara e ainda por cima não paga a sua parte no almoço.

Naquela tarde, Cordeiro vê na sua agenda: "Matar Rodrigues. Simular assalto." E o dia e a hora em que deve acontecer o assassinato, sublinhados com força. E na mesma folha: "Providenciar álibi: lancha."

Lancha? Cordeiro vira a página. Lá está o plano, meticulosamente detalhado. Sair com a lancha no domingo, assegurando-se de que todos no clube o vejam sair com a lancha, encostá-la em algum lugar ermo onde deixou seu carro no dia anterior, ir de carro até a casa de Rodrigues, matá-lo, jogar a arma fora, voltar de carro para a lancha e voltar de lancha para o clube, onde todos o veriam chegar como se nada tivesse acontecido. É o que faz.

Na segunda-feira, Cordeiro arregala os olhos e finge estar chocado quando chega à firma e ouve do Pires a notícia de que houve um assalto no fim de semana e o Rodrigues foi baleado, e está morto.

Pires revela que estava desconfiado de que Rodrigues iria vender sua parte na companhia a Cordeiro. Pretendia marcar um almoço para discutir o assunto com o canalha do Rodrigues, mas no dia Rodrigues dissera que tinha outro compromisso para o almoço.

Na saída do escritório, Pires diz que na última reunião dos três sócios tinha saído por engano com a agenda do Cordeiro e pergunta se por acaso o Cordeiro não ficou com a sua agenda.

Ou então:

Na segunda-feira, Cordeiro arregala os olhos e finge estar chocado quando chega à firma e ouve do Pires a notícia de que houve um assalto no fim de semana e o Rodrigues foi baleado, e está morto.

Os dois marcam uma reunião para tratar do que fazer com a parte do Rodrigues, mas não chegam a um acordo e brigam. Naquele mesmo dia, Cordeiro vê escrito na sua agenda: "Incriminar Pires."

É o que faz. Orientado pela agenda, consegue plantar pistas falsas e convencer a polícia de que Pires matou Rodrigues porque este pretendia vender sua parte na firma a Cordeiro. Com Pires afastado, Cordeiro assume o comando da firma e a faz crescer como nunca - sempre seguindo as ordens da agenda, que não erra uma.

Até que um dia a agenda lhe manda juntar todo o dinheiro em caixa na firma, vender o que for possível para levantar mais dinheiro e jogar tudo na bolsa. "Agora!", ordena a agenda.

Cordeiro jogou na bolsa todo o dinheiro que tinha, o seu e o da firma. Foi na véspera da grande queda. Perdeu tudo. Quando consultou a agenda de novo, desesperado, sem saber o que fazer encontrou apenas a frase: "Quem entende a bolsa?”.

E no dia seguinte: "Comprar arma”.

Salve Nossa Senhora de Nazaré!

O Círio, para quem não conhece ou nunca viu de perto é assim...
Gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gentE, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, Gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente,  gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente... BERLINDA ...gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, Gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente, gente... Pato no tucupi, maniçoba...  Arraial.

“Mentiras sinceras me interessam”

Parafraseando Cazuza: Mentiras sinceras me interessam e muito! Quem nunca contou uma mentira que atire o micro na parede.  A mentira, apesar de feia – como sempre pregaram nossos pais e professores – é tão essencial quanto à verdade, acredite! Sendo ela então contada da forma mais sincera, aí que a gente percebe que ela acaba se tornando tão verdade quanto à própria verdade, bem, pelo menos para os que ouvem.
Quem nunca disse “eu te amo” da boa pra fora só para ver brilhar os olhos do namorado (a), apesar de nem gostar tanto assim do outro (a)? Eu adoro ouvir e falar “mentiras sinceras”. Mas, para a sociedade, nada é tão bom e justo quando ouvir a verdade, sempre. Entretanto, às vezes, a verdade se torna tão prejudicial quando a mentira, ainda mais se for mal contada; esta sim tem pernas curtas. Na hora de uma entrevista de emprego, então, é bom saber o que realmente devemos contar, a verdade, ou uma mentira sincera.
Matheus de Lucca é um jornalista de mão cheia, mas, como se sabe, para um profissional dessa área ganhar o salário dos sonhos, é preciso se desdobrar em muitos, fazendo bicos aqui e ali... Oh, perdão, fazendo “freelas”, de acordo com o jargão jornalístico. Certa vez, surgiu uma oportunidade a ele de ser editor de um jornal de grande circulação. E, claro, encarou a ‘parada’. Foi para a entrevista, nervoso, como a maioria, mas foi.
Tudo ia bem na entrevista com os dois editores do veículo, até que lhe perguntaram algo crucial: o que ele achava dos cadernos de Polícia e de Esporte. Sem titubear, ele respondeu com toda honestidade que, particularmente, não “era fã” dessas editorias, mas as lia, por obrigação profissional. Dias depois, ficou sabendo que perdeu a vaga, justamente, por ter contado a verdade. Ué, quer dizer então que se ele tivesse mentido ganharia o cargo?! Com certeza! O problema é que Matheus não usou da mentira sincera para lhe beneficiar. Salve, salve a ética! Se assim o fizesse, estaria no cargo de editor até hoje. Então, é bom que saibam logo: Mais do que ninguém, os RH das empresas adoram uma mentira sincera. Mentiu? Foi sincero? A vaga é sua! Taí, um sofisma que pode ser eficaz na hora de conquistar o emprego.
Não vamos confundir mentira sincera com mentira deslavada. Para esta, deveria haver pena de morte para quem a conta, e àquele que acredita deveria ser internado em um hospício. A mentira sincera tem o poder de amenizar, ou encobrir, a dureza da verdade. Mas, a habilidade para sacar se a mentira é mesmo sincera ou não, é aptidão de poucos. E para quem reconhece que a potoca é sincera, acaba acreditando nela como se fosse a verdade absoluta. Isso faz me lembrar de um conto de Veríssimo, que fala a história de um homem casado, fiel e apaixonado por sua esposa, e usa da mentira sincera para salvar o casamento.
Certa noite, como e praxe, indo para a casa depois do trabalho, o personagem teve o pneu do carro furado. Desceu para trocá-lo, mas, com a mão suja de graxa, sua aliança saiu do dedo rumo a um bueiro, e lá se foi o anel. Desesperado, só pensava no que ia dizer à mulher sobre a perda, crente de que ela não acreditaria na verdade, pois, nesse caso, a verdade lhe parecia descabida. E resolveu mentir.
Ao chegar em casa, contou à mulher que ele havia esquecido a aliança em um motel, onde fora com sua amante. A esposa ficou arrasada no primeiro instante, mas, lhe foi complacente depois. Levou em conta a honestidade do marido por ter contado a ela a “verdade” sobre o caso extraconjugal que vinha levando. E tudo ficou bem na história. Depois dessa, alguém ainda duvida que uma mentira sincera vale mais do que mil verdades contadas?

O fim do voto consciente está próximo

Está cada vez mais difícil encontrar cidadãos que escolhem conscientemente os seus representantes políticos; que conseguem separar o joio do trigo na hora de votar, que pesquisam a vida dos candidatos antes do pleito; que reconhecem a real importância do voto. Recentemente, a imprensa nacional divulgou uma pesquisa que aponta que 1/5 dos eleitores já venderam ou venderiam seus votos em troca de benefícios. Engraçado foi ver a cara de espanto dos apresentadores dos telejornais lendo a chamada da matéria sobre essa pesquisa. Para mim, o maior espanto e o mais engraçado de tudo, foi saber que “só 1/5” praticaria esse desagravo democrático. É difícil para o eleitor entender que o voto consciente é o maior dos benefícios que ele pode ter? É, acho que sim.
Para embasar esse meu espanto quanto ao resultado da pesquisa divulgada, fui tirar a prova dos nove nas ruas. Depois de exercer o meu direito de votar, perguntei a algumas pessoas, gente de casa mesmo, em quem elas votaram, e maioria das respostas sempre vinha logo seguida de alguma justificativa tosca: “Não, porque se fulano entrar, o meu marido deve trabalhar com ele...; se o beltrano for eleito, vai ‘puxar não sei quem’ para assessorá-lo e depois fica mais fácil eu ser chamada para aquele o órgão e tal!!!”. P.Q.P., pensei, o fim do voto consciente está próximo! Quando isso vai mudar?
Com o resultado de minha pesquisa pessoal, hoje, acredito que o voto consciente (refiro-me à maioria dos votos válidos – o que elege) vem crescentemente tomando ar romântico; preso à uma utopia absurda, formada por cidadãos de mente tacanha, que acreditam que nada mais pode ser feito neste Brasil de meu Deus. Mas, oremos. Ainda há salvação.
O Tribunal Superior Eleitoral pegou pesado nestas eleições promovendo campanha publicitária contra a venda de votos, mas o povo insiste em querer benefícios só para si, e esquecem que há todo um país à espera de mudanças políticas radicais. Talvez, fosse mais eficaz promover no próximo pleito uma campanha para conscientizar o eleitor que ele pode receber sim os benefícios oferecidos por alguns candidatos, mas, ensiná-los também a entrar no jogo sujo, e trapacear na hora do vamos ver (nas urnas). Votando no candidato de sua preferência.
Seria assim: Pôr na cabeça do povo que o voto é secreto. E isso é fato! convencer o seu Antônio ou a dona Bené a entenderem que ninguém saberá em quem eles votaram. Incentivar o eleitor a ir às urnas com camiseta, fita na cabeça, bandeira no ombro...  tudo o que tiver estampado com o número do candidato que lhe “ofereceu” o benefício em troca do voto, mas, na hora decisiva, ali, frente à frente com a urna, votar noutro candidato. É! Façamos isso em prol de nós mesmos. Fazer o feitiço virar contra o feiticeiro; e acabar ferrando o corrupto que compra voto. Vamos deixar de lado esse egoísmo besta de querer tudo pra si, e começar a pensar em nossa comunidade, no nosso estado e, claro, no país.
Quem avisa amigo é! Portanto, está dado o recado. Porque, depois de decida a eleição, não dá para chorar pelo leite derramado, nem pela falta de medicamento na farmácia da Unidade de Saúde da comunidade; por andar em ruas esburacadas e cheias de lama; de viver em um estado sem trabalho, em uma cidade mal cuidada etc. Ou voto consciente retoma com força total, ou então nos lamentaremos  sempre por não viver no Brasil dos nossos sonhos. E aceitar esse fato, para mim, é inconcebível!    

Liberdade de expressão!

A liberdade de expressão é um direito garantido pela Constituição Federal, e expressar-se, além de um dever e obrigação, é fundamental para tentar melhor aquilo que consideramos estar errado em nossa sociedade, em nosso cotidiano. Portanto, façamos valer esse direito.

O Textualmente Crônico é um espaço aberto para divulgar suas idéias. Entre, curta, participe, critique. Mande sugestões e opiniões para: jrnery.jornalista@gmail.com.

Sejam todos bem vindos!